sábado, 14 de abril de 2012

Educação:Pluralidade Cultural > O valor da diferença

Pluralidade Cultural > O valor da diferença
 
 Pluralidade Cultural

Questão para início de conversa
As diferenças culturais
Diferenças sociais, econômicas e políticas
Troca e preconceito
Crescimento econômico e desenvolvimento humano
Tolerância e convívio da pluralidade cultural
Para outras conversas

 Questão para início de conversa
Diferenças fazem parte da raça humana

Os seres humanos são muito diferentes. Variam na cor da pele, na altura, na forma dos olhos, no cabelo, no sexo e em muitas outras características físicas. Nós diferimos também em nossas crenças religiosas, nossos valores, nossos modos de estabelecer os laços familiares, no modo como assumimos os papéis de homem e mulher e em tantos outros aspectos da organização da vida em sociedade. Também somos diversos nas características de nosso mundo subjetivo. Dentro de uma sociedade, ainda, o acesso às riquezas materiais e simbólicas resulta em diferentes possibilidades de organizar a vida. Isso sem falar naquelas diferenças que existem entre povos que vivem dentro de uma mesma nação e naquelas que existem entre nações.

Enfim, discutir o tema "pluralidade cultural" significa colocar em destaque uma questão bastante intrigante: por que nós, humanos, embora sejamos uma única espécie biológica, desenvolvemos modos de vida tão diferentes e conflitantes? Ao explorarmos algumas possibilidades de explicação, podemos pensar também nas formas de convívio com as diferenças humanas para o desenvolvimento de nosso modo de viver.

As diferenças culturais

Nós não nascemos inteiramente prontos para viver. Ao contrário, precisamos de cuidados, orientação e ensinamentos; ou seja, só nos tornamos de fato humanos na medida em que convivemos e aprendemos com outras pessoas em uma dada cultura. Por meio desse aprendizado na vida social formamos nossa personalidade e elaboramos nossos planos de vida, nossos sentimentos e desejos. Nossa vida só pode acontecer verdadeiramente se participarmos de um mundo cultural, se partilharmos um conjunto de referências sociais.

Todas as culturas humanas criaram modos de viver coletivamente, de organizar sua vida política, de se relacionar com o meio ambiente, de trabalhar, distribuir e trocar as riquezas que produzem. Mais ainda, todos os povos desenvolveram linguagens, manifestações artísticas e religiosas, mitologias, valores morais, vestuários e moradias.

Assim, a pluralidade cultural indica, antes de tudo, um acúmulo de experiências humanas que é patrimônio de todos nós, pois pode enriquecer nossa vida ao nos ensinar diferentes maneiras de existir socialmente e de criar o futuro.

Diferenças sociais, econômicas e políticas

Devemos reconhecer que a pluralidade cultural representa o acúmulo das experiências e das conquistas humanas. No entanto, nem todas as diferenças são positivas. Quando elas se transformam em desigualdades precisam ser encaradas criticamente.

Dentro das sociedades e entre povos há relações de desigualdade e dominação em que alguns grupos sociais acumulam bens materiais, saberes, prestígio e poder ao mesmo tempo em que impedem o amplo acesso de outros grupos a essas riquezas.

A rigor, a desigualdade no acesso aos meios para organizar a própria vida compromete a plena existência da pluralidade cultural. Isso porque se alguns grupos em uma sociedade ou algumas culturas se afirmam em detrimento de outras, é sinal de que uma parcela dessa diversidade está sendo reprimida, constrangida ou até mesmo eliminada.

Nos noticiários e no estudo da história podemos ver inúmeros exemplos disso, como a destruição física e cultural de tantos povos indígenas que habitavam a costa brasileira antes da presença portuguesa, a violência que significa a escravidão ou as tantas formas de pobreza que convivem com a riqueza em nossas cidades.

Assim, a autêntica afirmação da pluralidade cultural é inseparável das lutas pela extensão dos direitos humanos a todos e pela construção de relações cidadãs e democráticas. Em nossos dias, a luta contra as desigualdades e pela afirmação de um convívio pacífico entre as culturas e grupos humanos tem se tornado um tema cada vez mais importante. Assim, em novembro de 2001, a Unesco, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, que no seu artigo 4º afirma:
"A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance."
(Clique aqui para acessar o site da Unesco com o texto completo http://www.unesco.org/pt/brasilia/culture/cultural-diversity/)

Troca e preconceito

Todos merecem direitos e oportunidades iguais

A importância de imperativos éticos válidos mundialmente e que assegurem o direito à manifestação da diversidade cultural fica ainda mais clara se levarmos em conta que nenhuma cultura humana se desenvolveu sem estabelecer relações de troca, aproximação e diferenciação com seus vizinhos. Muitas mudanças nos modos de viver de um grupo não ocorreram a partir de alguma necessidade do próprio grupo mas sim da necessidade de imitação ou de diferenciação em relação a outro grupo. Entretanto, além de proporcionar o intercâmbio de valores, línguas, conhecimentos, instrumentos e artes, esse convívio pode, muitas vezes, se manifestar de forma violenta, com uso de dominação e marcada por preconceitos.

Ao longo da história, diversas opiniões preconceituosas sobre traços físicos ou de comportamento foram criadas e reproduzidas. São comuns as manifestações preconceituosas sobre gênero, cor da pele, origem socioeconômica, orientação sexual, nacionalidade, etnia, língua, modo de falar, deficiências, religião.

Ouvimos com freqüência comentários preconceituosos como "os portugueses são burros e trabalhadores", "os japoneses são talentosos para as ciências exatas e não gostam de se misturar", "os judeus são avarentos", "os indígenas são selvagens" e tantos outros. As formas de discriminação e preconceito entre manifestações culturais são muitas, mas todas têm uma característica comum: o não-reconhecimento do outro como igualmente humano e com o direito de ser diferente. Com isso, as vítimas de preconceito ou discriminação sofrem limites severos para manifestar sua cultura, seu modo de pensar, seus sentimentos, desejos, projetos ou valores.

Crescimento econômico e desenvolvimento humano

Uma das fontes de tratamento preconceituoso e discriminatório para outras culturas é a crença de que as sociedades que tiveram um maior desenvolvimento técnico e econômico são superiores às outras. Essa crença se baseia na idéia de que o progresso tecnológico e o crescimento econômico são sinônimos de desenvolvimento civilizatório e um salto evolutivo da humanidade.

O aprimoramento das técnicas e das relações econômicas aumentou sem dúvida a nossa capacidade de ação sobre a natureza. Há que se questionar, no entanto, se esse desenvolvimento representa, por si só, um avanço qualitativo da vida humana.

Salta aos olhos a evidente contradição entre as enormes possibilidades de vida geradas pelo progresso tecnológico e econômico e a miséria em que vive parte expressiva da humanidade. Ao longo da história ocidental, embora a invenção de novas tecnologias respondesse às necessidades humanas que surgiam, ela tem sido associada prioritariamente ao aumento da eficiência na produção de mercadorias.

Além disso, o desenvolvimento tecnológico e econômico que se verifica em alguns países capitalistas responde apenas à parte das necessidades humanas. Se considerarmos critérios diferentes, observamos que outros povos, em alguns campos, atingiram graus de desenvolvimento indiscutivelmente mais sofisticados do que as sociedades ocidentais. A Índia criou um sistema religioso e filosófico bastante eficiente para reduzir as conseqüências do desequilíbrio demográfico. As civilizações do Oriente e do Extremo-Oriente desenvolveram conhecimentos extremamente complexos sobre o corpo humano. Os povos indígenas do Brasil Central e da Amazônia detêm conhecimentos valiosos sobre a floresta e seus mistérios.

Há muitos outros exemplos que poderiam ser citados e todos eles revelam que a técnica e a economia desvinculadas de políticas de distribuição de renda e de ideais humanitários - referente à dignidade, ao ambiente, à diversidade, aos direitos dos cidadãos, entre outros, não atendem plenamente às necessidades dos seres humanos. Portanto, a afirmação da pluralidade cultural nos leva à constatação de que não há um único modo de organizar a existência nem de fazer a história.

Ao contrário, na vida de cada grupo cultural há um conjunto imenso de possibilidades. E o reconhecimento dessa diversidade traria muito mais riqueza a todos. Mais ainda, a afirmação da pluralidade cultural nos permite assumir a tese de que o aprimoramento das relações econômicas e o avanço das tecnologias fazem sentido se partirem das necessidades de desenvolvimento humano, ou seja, se tiverem como objetivo a ampliação das possibilidades de um povo buscar a realização dos objetivos que valoriza.

Assim, o convívio com o outro, o diferente, pode enriquecer e desenvolver nossa condição humana. O antropólogo Claude Lévi-Strauss usa uma imagem bastante clara para defender essa idéia. Segundo ele, o desenvolvimento das formas de vida humana pode ser comparado a um jogo de cartas no qual cada carta representa uma conquista cultural. Assim, cada jogador - ou cultura - só consegue fazer pequenas seqüências; Entretanto, se houver o intercâmbio entre as séries construídas pelos jogadores, a seqüência resultante torna-se muito maior e mais rica, tanto em conquistas quanto em novas possibilidades.

Dessa forma, a garantia em escala local e mundial de condições econômicas, sociais e políticas para os diferentes grupos culturais organizarem sua própria vida e se desenvolverem significa, acima de tudo, preservar o enorme acervo vivo dos modos de viver que a humanidade criou. Trata-se de um acervo que representa não só um acúmulo de conquistas já realizadas, mas também um enorme conjunto de possibilidades de reinventar essas conquistas e construir o futuro.

Tolerância e convívio da pluralidade cultural

O debate sobre esse tema tem se tornado bastante intenso nesse início de século, que expande o circuito de relações dos povos e nações por todo o globo e ao mesmo tempo reafirma as identidades dos grupos específicos.

Assim, a pluralidade cultural é também um foco constante de conflitos, pois traz consigo concepções que questionam profundamente nossas crenças e valores.

Por esse motivo, a realização das possibilidades de desenvolvimento humano depende do enfrentamento de um desafio: como reconhecer o direito à diversidade quando há discordância de condutas e pensamentos? Para dar conta disso, tem havido um esforço grande para se desenvolver uma ética universal que afirme valores morais para a regulação do comportamento entre os diversos grupos culturais e as pessoas que manifestam essas diferenças. Um exemplo desse debate é o relatório da Unesco "Nossa diversidade criadora", coordenado por Javier Pérez de Cuéllar.

A idéia da tolerância está no centro desse debate. Entretanto, é preciso esclarecer dois usos diferentes para essa palavra. É comum a palavra tolerância ser usada para expressar uma relação na qual uma pessoa suporta outra como quem agüenta uma carga que a oprime e a constrange. Nesse sentido, a pessoa que suporta o outro está em condição de desvantagem, pois aquele que é suportado está manifestando seu modo de ser - e o seu poder - oprimindo a manifestação da vida de quem está agüentando. Trata-se, portanto, de uma relação em que um afirma a sua liberdade negando a liberdade do outro.

Para expressar uma ética universal que respeita e afirma a pluralidade cultural, a tolerância tem sido definida com um sentido bastante diferente. Há tolerância efetivamente quando o convívio com o outro está baseado na manifestação livre e sem constrangimentos tanto de nossas particularidades quanto das particularidades do outro. Trata-se, portanto, de um encontro de liberdades que se afirmam sem se negar.

O filósofo Adolfo Sánchez Vázquez definiu tolerância do seguinte modo:
a tolerância existe entre indivíduos ou grupos com diferentes convicções, modos de vida etc.;
é necessário reconhecer conscientemente essas diferenças;
as diferenças reconhecidas têm de ser importantes e afetar os indivíduos, não se pode ficar indiferente a sua existência;
as diferenças referem-se a pensamentos, hábitos, valores, crenças diferentes daquelas aceitas ou aprovadas pelos indivíduos como padrão de vida;
embora não se concorde com as diferenças, admite-se o direito do outro de ser diferente e manter livremente suas diferenças;
ao admitir esse direito, permite-se o diálogo e a argumentação com a intenção de persuadir o outro a mudar de posição.
Dessa forma, a tolerância só pode existir quando há o dissentimento e a discórdia. Se não há conflito, ela deixa de ser necessária. O que a torna valiosa é justamente a possibilidade de criar uma relação entre homens que se reconhecem como iguais mesmo que tenham discordâncias e vivam de modos diferentes.

Assim, a tolerância pressupõe reciprocidade de direitos. Isso implica reconhecer que não se deve tolerar simplesmente para ser tolerante. A tolerância não serve de justificativa para si mesma. Ao contrário, o que lhe confere importância e determina sua razão de ser são valores irrenunciáveis com os quais ela se relaciona. Assim, justifica-se ser tolerante quando se criam relações pautadas no respeito à liberdade e à autonomia nossa e do outro, na convivência fraterna e solidária, e na democracia como modo de relação entre as pessoas e os grupos.

Portanto, não se deve aceitar a intolerância, a discriminação, a violência, as perseguições religiosas, étnicas e raciais, os comportamentos e as idéias que negam o respeito à liberdade e à autonomia dos outros, que impedem um convívio fraterno e solidário e que obstruem a construção de relações democráticas.

A tolerância efetiva permite ao outro manifestar suas diferenças, mesmo que elas afetem nossas convicções. Ao mesmo tempo, nos possibilita manifestar nossas particularidades que podem parecer estranhas para alguém. Certamente, não é um exercício fácil. Mas ele garante um convívio respeitoso, fraterno e democrático no qual a pluralidade cultural pode se afirmar com toda sua possibilidade de nos ensinar outros pontos de vista e de enriquecer nossas formas de vida.

Crianças do Mundo Inteiro, Unicef

Para outras conversas

A formação histórica brasileira é marcada pela atuação de muitos povos, culturalmente muito diversos. 

Somos um povo que se vê como pertencente a uma nação e a um Estado, é verdade. Entretanto, há uma vasta pluralidade cultural entre nós, que se expressa, por exemplo, nas diferenças entre os modos de viver do Norte e do Sul, do litoral e do Centro-Oeste, entre os grupos originários de outros continentes, entre as populações rurais e urbanas, entre os jovens e os adultos, entre os meios letrados e as manifestações da tradição oral.

Existe entre nós uma riqueza de experiências humanas que constitui um dos maiores patrimônios nacionais. Entretanto, o predomínio da discriminação, as imensas desigualdades sociais, políticas e econômicas, os preconceitos e a intolerância reduzem muito as possibilidades dessa pluralidade se manifestar.

Por isso criar condições para a afirmação da pluralidade que marca nossa formação cultural é a melhor maneira de compartilhar esse acervo de experiências humanas, esse patrimônio cultural existente no Brasil. Assim podemos encontrar respostas inesperadas aos limites e às potencialidades do presente e abrir novos caminhos para o nosso futuro.

Texto original: Maurício Érnica
Edição: Equipe EducaRede
Fonte:http://www.educared.org/educa/index.cfm?pg=oassuntoe.interna&id_tema=10&id_subtema=1. Acesso em 14/04/2012

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