sábado, 2 de julho de 2011

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES: A TEORIA QUEER





Foucault, a Teoria Queer 
a e Homoparentalidade

teoria queer é uma nova abordagem pós-estruturalista que conta com a preciosa ajuda do referencial teórico de Foucault e Derrida, além da contemporânea Judith Butler. Provocar uma discussao além muros acadêmicos é meu objetivo. 


Peço desculpas pelo texto acadêmico, mas como tenho um estilo irreverente e simples, não é difícil de se ler. Quem quiser debater o assunto, será bem-vind@!

A teoria queer é baseada em boa parte na obra de Michel Foucault, notadamente em função de sua análise a respeito da invenção dos homossexuais (Foucault,1979), que permitiu,  pela primeira vez, um “discurso inverso”: homossexuais poderiam começar a defender seus interesses usando as mesmas categorias e terminologia que tinham sido usadas para marginalizá-los.

Segundo Foucault (1979), a escolha do objeto nem sempre se constitui como base para uma identidade, assim como não parece ser questão crucial na percepção de toda e qualquer pessoa sobre sua sexualidade. 


Assim, a desnaturalização das sexualidades e dos corpos marcados biologicamente se faz a partir da própria noção de prática discursiva, que criou uma verdade sobre a identidade humana, que se cristalizou na divisão sexual e binária da sociedade.

Desta forma, tanto a heterossexualidade como a homossexualidade são produções de um saber e de uma prática normativa que exercem o poder de naturalização deste binarismo, que acompanha a divisão do mundo em práticas lícitas e ilícitas.

Assim, este poder se manifesta na identificação dos corpos, no incentivo e na proliferação de práticas sexuadas consideradas lícitas e este binarismo acaba por legitimar a hegemonia da família heterossexual, “como se lhe fosse essencial que o sexo esteja inscrito não somente em uma economia do prazer, mas em um regime ordenado de saber” (Foucault 1993).

 Por isso, a teoria queer concorda com Foucault, quando afirma que a proliferação de novas identidades sexuais (transexuais, bissexuais, homossexuais etc) e sua cristalização, através de reivindicações identitárias, reproduzem as representações hegemônicas na medida em que se afirmam em oposição a”, “diferente de”, ou seja, o múltiplo gira em torno do eixo unificador do mainstream, polarizando a relação entre estas identidades e uma outra, detentora do poder. 



Isto porque, para Foucault, o sexo biológico é fruto de um efeito discursivo. Por isso, a desnaturalização do sexo biológico pode promover o questionamento da divisão binária da sociedade com seus efeitos de apropriação e dominação, assim como a identificação da heterossexualidade como orientação sexual normativa.

Claro que Foucault não queria, com isso, afirmar que nós não nascemos com um aparelho genital dado, mas sim mostrar como o poder de práticas discursivas poderosas cria o corpo ao anunciá-lo sexuado, ao fazer de sua constituição biológica um fator “natural” que carrega características específicas e torna indiscutível a divisão dos seres humanos em dois blocos distintos.


Deste modo, ao final do século XX, a política de identidade homossexual entra em crise e revela suas insuficiências e limitações. Foucault, em seu livro "A Vontade de Saber", o primeiro volume de sua "História da Sexualidade", logo no capítulo inicial, discute o que ele chama de hipótese repressiva e questiona se a repressão sexual seria mesmo um fenômeno apenas da Idade Clássica, como até hoje muitos acreditam considerando o nosso século como a era da grande liberação. 


Segundo a hipótese repressiva, a partir do século XVIII, um crescente puritanismo passa a vigorar, condenando o sexo pelo prazer, permitindo portanto, como única manifestação possível, a sexualidade do casal monogâmico, e heterossexual. Sobre as sexualidades periféricas e estéreis teria sido imposto um silêncio geral, uma intensa repressão.

Foucault propõe uma leitura mais rica desta relação poder/sexualidade. Não nega que em muitos  momentos houve repressão. Mas a dinâmica é mais complexa, mais sutil, mostrando que ocorreu uma dominação das pessoas através do controle, de técnicas de sujeição, de métodos de individuação e de observação.

Ao refutar a hipótese repressiva, Foucault (1979) afirma que o sexo foi colocado em discurso na sociedade vitoriana por ser um canal de entrada do poder no corpo com a finalidade de dominar esses elementos, através de uma “polícia do sexo: isto é, necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor da proibição” (Foucault, 1979), fazendo-nos refletir a respeito da premissa que afirma ser o grau de repressão (ao qual a pulsão sexual é submetida) o único elemento a afetar as manifestações da sexualidade. Assim, podemos inferir que a sexualidade não é nada além de um dispositivo sócio-histórico.

A Idade Média tinha organizado, sobre o tema da carne e da prática da confissão, um discurso estreitamente unitário. No decorrer dos séculos recentes, essa relativa unidade foi decomposta, dispersada, reduzida a uma explosão de discursividades distintas, que tomaram forma na demografia, biologia, medicina, psiquiatria, na mora e, na crítica política. 


E mais: o sólido vínculo que vinculava a teologia moral da concupiscência à obrigação da confissão (o discurso teórico sobre o sexo e sua formulação na primeira pessoa) foi rompido ou, pelo menos, distendido e diversificado: entre a objetivação do sexo nos discursos racionais e o movimento pelo qual cada um é colocado na situação de contar seu próprio sexo produziu-se, a partir do século XVIII, toda uma série de tensões, conflitos, esforço de ajustamento, e tentativas de retranscrição.(FOUCAULT,1979,p.35)

É exatamente a partir deste pressuposto que Foucault desenvolveu sua teoria do “biopoder”, que pode ser descrito como um conjunto de práticas e discursos que determinam a normatização do desejo sexual. 



O bio-poder nos interessa bastante pois a família tornou-se uma instituição privilegiada para que se traçasse a linha divisória entre o que seria normal e patológico em relação à sexualidade. Para Foucault a noção de bio-poder corresponde a vida nos jogos do poder da sociedade atuando sobre os corpos. 


O poder passa a dominar a vida de todos nós, um poder preocupado em a produzir forças e foi a partir do século XVII que essa nova configuração de poder sobre a vida entra no cenário da sociedade ocidental através de dois caminhos: pela tomada do corpo como máquina e atraves da biopolítica da população, onde se captura do corpo toda a mecânica do ser vivo e dos processos biológicos que o atravessam.

Em sua obra Os Anormais, Foucault (1999) mostra bem claramente como a família foi usada como instrumento de controle do bio-poder: entre 1760 e 1780 se deflagra grande campanha contra a masturbação na França, tendo como justificativa os males que tal prática poderia ocasionar no adolescente. 


O real temor que havia, segundo Miskolci (2003), era o do incesto, tornando possível a presença do médico através da psiquiatria no controle das práticas sexuais na família e, mais tarde, do psicanalista.

É fácil percebermos como a sexualidade era vista como um perigo e como era projetada na família a suspeita de que os adultos ameaçavam sexualmente seus filhos. Portanto, não é de se admirar que, quando homens homossexuais, mais tarde, viessem a reivindicar o direito à paternidade, seriam imediatamente taxados, entre outras coisas, de pedófilos em potencial. Porém, a homossexualidade não foi sempre vista desta forma.


Em diferentes momentos históricos, o amor que não ousa dizer seu nome parafraseando o brilhante escritor inglês do século XIX, Oscar Wilde, se construiu de maneiras diferentes. Para chegarmos à construção da homossexualidade tal qual ela é atualmente concebida, inúmeras desconstruções do próprio conceito tiveram de ser feitas em nossa cultura.

Autor: Alberto Carneiro - Trecho da Tese de Mestrado pela PUC-Rio intitulada "Se ele é artilheiro eu tambem quero sair do gol: um estudo sobre a co-parentalidade homossexual '(2008).


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