DERRUBE A BARREIRA DO SILÊNCIO EM DEFESA DA VIDA
1. INTRODUÇÃO
A lastimável conjuntura de violência que contumazmente é dirigida as nossas crianças e adolescentes é motivo de grande preocupação para o poder público e a sociedade civil e precisa ser combatida com veemência. A violência nem sempre consiste na agressão física propriamente dita que é ostensiva, visível, que causa às vezes clamor social. Existe a violência silenciosa, evidente mas não vista (ou não se quer ver), perpetrada às vezes a luz do dia, aos olhos da sociedade e das autoridades, porém passa desapercebida, esta é a mais difícil de se combater.
A família é o primeiro grupo social da criança. Conceituada como sendo à base da sociedade, ela deve ser vista como um espaço privilegiado para o desenvolvimento físico, mental e psicológico. Todavia, o que temos vivenciado nos mostra exatamente o contrário. Em função disto precisamos modificar, urgentemente, esse modelo de família, atualmente visto como uma Instituição intocável. Assim sendo, conseguiremos contribuir para que os atos de violência contra a criança e o adolescente venham a ser denunciados, derrubando desse modo o monstro protetor da violência - o silêncio.
Devido o alto percentual de agressão a criança e o adolescente vários programas sociais e assistenciais foram criados ao longo dos anos e estão sendo desenvolvidos com notório sucesso em todos os níveis de governo, particularmente na esfera municipal. Como consequência, as cidades que desenvolveram ações positivas nas referidas áreas, estão sendo beneficiadas com o Centro de Referências Especializadas de Assistência Social - CREAS.
2. OBJETIVO DA EXPOSIÇÃO
Reduzir o índice de violência praticado contra a criança e o adolescente em todos os segmentos da sociedade, através da proposta de conscientização disseminada pelas instituições ligadas à família.
3. CONCEITUAÇÃO E MAGNITUDE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
As sociedades têm submetido crianças e adolescentes a inúmeros tipos de violência, sendo a de cunho doméstico uma das mais comuns. Trata-se de uma violência intra-classes sociais e que permeia todas as classes sociais. Segundo Azevedo (1990), a violência doméstica contra crianças e adolescentes:
é uma violência interpessoal e intersubjetiva;
é um abuso do poder disciplinar e coercitivo dos pais ou responsáveis;
é um processo que pode se prolongar por meses e até anos;
é um processo de completa objetalização da vítima, reduzindo-a à condição de objeto de maus-tratos;
é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente enquanto pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança;
tem na família sua ecologia privilegiada.
Como esta pertence à esfera do privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica de sigilo".
3.1 TIPOS DE VIOLÊNCIAS DOMÉSTICAS
3.1.1 Violência Física
Corresponde ao uso de força física no relacionamento com a criança ou o adolescente por parte de seus pais ou por quem exerce de autoridade no âmbito familiar. Esta relação de força baseia-se no poder disciplinador do adulto e na desigualdade adulto-criança. A literatura é muito controvertida em termos de quais atos podem ser considerados violentos: a simples palmada no "bumbum", agressões com armas ou instrumentos e até a imposição de queimaduras, socos, pontapés, entre outros. A falta de consenso sobre atos e comportamentos considerados violentos se relaciona ao fato do tema estar amplamente permeado por padrões culturais.
3.1.2 Violência Sexual
Para Azevedo (1988) e Guerra (1985), esta violência configura-se como:
"Todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa".
Segundo essas autoras, nessas ocorrências - em que há sempre o prazer direto ou indireto do adulto, conseguido pela coerção ou sedução - a criança é sempre VÍTIMA e não poderá ser transformada em RÉ. O diagnóstico deve ser realizado através de uma história clínica minuciosa. O exame clínico da genitária deve ser cuidadoso, podendo evidenciar anormalidades anais e dilatação himenal. Algumas situações são fortemente suspeitas de violência sexual, mesmo com a negação por parte da criança/adolescente, como corrimentos, dor abdominal, encoprese, anel himenal alargado ou muito suspeito de seqüela e dilatação himenal reflexa permanente (Santos, 1991).
3.1.3 Violência Psicológica
Apresenta-se sob variadas formas. Também designada como "tortura psicológica", evidencia-se como a interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência social, conformando um padrão de comportamento destrutivo. Costuma se apresentar associada a outros tipos de violência. São seis as formas mais constantemente estudadas (CLAVES, 1992; Garbarino et al., 1988; Ruiz, 1990):
Rejeitar: quando o adulto não aceita a criança, não reconhece o seu valor,nem a legitimidade de suas necessidades;
Isolar: o adulto afasta a criança ou o adolescente de experiências sociais habituais a idade, impedindo de ter amigos e fazendo crer que ela ou ele está só no mundo;
Aterrorizar: o agressor instaura clima de medo, faz agressões verbais à criança, a atemoriza e a faz crer que o mundo é hostil;
Ignorar: o adulto não estimula o crescimento emocional e intelectual da criança ou do adolescente;
Criar: expectativas irreais ou extremadas sobre a criança e o adolescente;
Corromper: ato do adulto induzir a criança ou o adolescente à prostituição, ao crime, ao uso de drogas.
Esse é o tipo de violência da qual menos se fala, embora seja um dos modos mais comuns de dominação dos pais sobre os filhos. Por isso mesmo, raramente é registrado nas instituições que atendem à população infanto-juvenil. Provavelmente, é necessário que a conscientização da cidadania esteja bastante desenvolvida para que se possa reconhecer essas práticas como violentas.
3.1.4 Negligência
Compreende-se por negligência o fato da família se omitir em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se no comportamento dos pais ou responsáveis quando falham em alimentar, vestir adequadamente seus filhos, medicar, educar e evitar acidentes. Tais falhas só podem ser consideradas como abusivas quando não são devidas à carência de recursos sócio-econômicos (Azevedo e Guerra, 1989; CLAVES, 1992; Ruiz, 1990).
A negligência pode se apresentar como moderada ou severa. O abandono parcial ou temporário promovido pelos adultos é uma das formas de negligência. Finalizando, é preciso entender que o fenômeno da violência intra-familiar ultrapassa um domínio exclusivo de uma área do conhecimento. Para analisá-Io, e nele intervir, é necessária a colaboração de diferentes profissionais, assim como de diferentes disciplinas. É preciso perceber, com clareza, tanto as características gerais do fenômeno, quanto às peculiaridades de que ele se reveste em cada realidade em que ocorre, ou seja, é preciso se atentar para as múltiplas determinações do singular e do coletivo. Por outro lado, todos os que trabalham com esta problemática têm que ter um compromisso de resgatar a sua dimensão histórica e desvendar as possibilidades de mudança da realidade.
3.1.5 Violência Fatal
Atos e/ou omissões praticados por pais, parentes ou responsáveis em relação a crianças e/ou adolescentes que – sendo capazes de causar-lhes dano físico, sexual e/ou psicológico – podem ser considerados condicionantes (únicos ou não) de sua morte.
4 ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS
A partir destas colocações torna-se importante saber se este é realmente um problema que assola a realidade brasileira. O gráfico abaixo aborda os dados obtidos pelo Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USP.
5. NÍVEIS DE PREVENÇÃO
5.1 PRIMÁRIA
Todas as estratégias dirigidas ao conjunto da população num esforço para reduzir incidência ou o índice de ocorrência de novos casos. As estratégias adotadas incluem, de modo geral, programas de pré-natal que abordem a temática e reforcem os vínculos pais-filhos; programas de treinamento para pais e em escolas (especialmente para adolescentes), campanhas pelos meios de comunicação, palestras, debates.
5.2 SECUNDÁRIA
Envolve a identificação precoce da assim chamada população de risco. As estratégias incluem visitação domiciliar para prover cuidados médico-sociais aos pais do grupo de risco; os telefones de crise aos quais se recorre em momentos difíceis, obtendo ajuda e encaminhamento especializado; recepção de auxílio material; programas de creches para as crianças do grupo de risco.
5.3 TERCIÁRIA
Dirigida aos indivíduos que já são agressores ou vítimas no sentido de reduzir as conseqüências adversas do fenômeno ou de evitar que o indivíduo sofra o processo de incapacidade permanente. As estratégias incluem intervenções terapêuticas de diversas modalidades e esforços para organizar infra-estrutura para as vítimas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sua prática cotidiana, os profissionais de saúde demandam respostas concretas diante do quadro de violência doméstica. O que fazer diante dos casos suspeitos ou já identificados?
Alguns procedimentos são considerados essenciais pelos profissionais já engajados nessas ações:
Encorajar os pais a fornecerem as informações do fato, procurando mostrar que o interesse é de ajudar a criança e a família como um todo (Santoro Jr, 1989);
Tomar a família como alvo da atenção, considerando que tanto a criança vitimizada como seu agressor devem ser beneficiados nas condutas terapêuticas e de assistência (Santos, 1986);
Considerar que a criança só deve ser afastada de seu lar em quadros muito severos ou risco de vida. As tentativas de substituição da família por outras instituições, na maioria das vezes, constituem mais uma violência para a criança. Essa questão aponta para conseqüências negativas de se tomar como conduta principal a culpabilização da família. Há que se considerar que a família envolvida merece uma chance de ser ajudada antes de ser considerada inapta a cuidar de seus filhos (Santos, 1986; Deslandes, 1993);
Notificar obrigatoriamente os casos ao Conselho Tutelar ou, quando esse inexiste na localidade, à Vara da Infância e Juventude ou ao Ministério Público (Brasil, 1991);
Nas localidades em que existam serviços especializados na assistência, estes devem ser imediatamente constatados;
envolver na assistência à família que pratica violência doméstica toda a equipe de saúde. Os profissionais de serviço social e psicologia podem desempenhar papéis estratégicos nessa atuação, orientando e articulando os recursos disponíveis para o atendimento;
Mobilizar recursos existentes na vizinhança da família atendida (creches, escolas, postos de saúde) a fim de se promover uma rede de vigilância, apoio e prevenção de reincidências.
Esses procedimentos devem ser utilizados respeitando-se as diferentes realidades locais.
Esta proposta preliminar de prevenção e assistência à violência na infância e adolescência deve ser considerada apenas como um primeiro passo para gerar uma mobilização em torno do problema. A etapa seguinte, formulando normas e procedimentos adequados à atenção a cada tipo específico, apenas poderá ser construída com a colaboração dos profissionais que atuam nas realidades locais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. Pele de asno não é só história: um estudo sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes em família. São Paulo: Roca, 1988.
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 1989.
AZEVEDO, M. A.; A violência doméstica contra crianças e adolescentes no município de São Paulo. (Projeto de Pesquisa). São Paulo: 1990 (mimeo).
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: Ministério da Saúde, 1991.
CLAVES - Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde. Protocolo de investigação sobre maus tratos na infância e adolescência. Rio de Janeiro: ENSP-FIOCRUZ/OPAS, 1992 (mimeo).
DESLANDES, S. F. Maus-tratos na infância: um desafio para o sistema público de saúde. Análise da atuação CRAMI-CAMPINAS. Tese de Mestrado (Saúde Pública). Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 1993 (mimeo).
GARBARINO, J.; GUITTANN, E.; SEELEY, J. W. The psychologically battered child. London (Inglaterra): Josey-Bass, 1988.
GUERRA, V. N. A violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas. São Paulo: Cortez, 1985.
RUIZ, Z. A. Características de las distintas modalidades de menor en la Republica Domenicana. Republica Domenicana: Onaplan, UNICEF, Intec., 1990.
SANTOS, H. O. et al. "Maus-tratos na infância - uma proposta de atuação multidisciplinar a nível regional". In: Pediatria Moderna, 21 (1): fevereiro de 1986.
SANTORO JR. M. Vitimização física: a conduta médica. In: M. A. Azevedo, V. N. de A. Guerra. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 1989, p. 115-122.
SANTOS, H. O. Crianças violadas. Brasilia: CBIA-CRAMI, 1991
Fonte: http://psicodorotea.blogspot.com/2010/06/derrube-barreira-do-silencio-em-defesa.html#comments. acesso 30/01/2011.
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Oi querido, obrigado pelo carinho. bjs Aurélia
ResponderExcluirwww.aureliamattos.com.br
Olá Prof. Adorei seu blog, muito legal seu trabalho.
ResponderExcluirGanhou uma nova seguidora e obrigada pela admiração no meu post.
Uma ótima semana a todos nós. =)