segunda-feira, 19 de julho de 2010

O medo do silêncio e o silêncio do medo

por Alexandre Spatuzza — última modificação Jul 06, 2010 04:12 PM
Ainda no mês de maio, discutimos, aqui na redação da Revista Sustentabilidade, se nos posicionaríamos a favor de alguma das candidaturas a presidente. Chegamos à conclusão que, como somos um veículo de nicho, muito focado em apenas parte dos temas nacionais, não deveríamos nos posicionar, pois acreditamos que as políticas ambientais e de inovação deveriam estar inseridas em um contexto mais amplo do papel do Estado e integradas com outras políticas.

Além disso, à época, avaliamos que não teríamos a possibilidade de cobrir satisfatoriamente a parte dos programas dos vários candidatos relativa ao nosso tema, a inovação para a sustentabilidade, tanto pela nossa reduzida e focada redação - comparada à dos grandes jornais, cadeias de televisão, rádio e portais de Internet -, quanto pela falta de respeito dos candidatos com os eleitores em não publicarem programas detalhados e em geral não concederem tempo a veículos menores.

Decidimos então por não explicitar nossa posição a favor de qualquer candidato e não fazer cobertura detalhada de seus programas. Achamos melhor delinear nossa visão de mundo.

Somos sim a favor de uma mudança na ordem econômica, com o Estado tendo um papel proeminente, não só de indutor para transitar para a economia de baixo carbono, mas sim de ator principal baseado em seu dever constitucional de planejar, organizar e liderar a sociedade, ocupando espaços necessários para o avanço quando o setor privado não deve e nem pode ocupar.

Somos a favor de um Estado que garanta, por meio de instrumentos reconhecidos internacionalmente, incluindo aí os chamados protecionistas, o desenvolvimento científico e tecnológico nacional, a transferência de tecnologia e detenção nacional deste conhecimento como forma estratégica de elevar o bem-estar dos brasileiros e, por solidariedade, dos latino-americanos e dos países em desenvolvimento na África e Ásia.

Somos a favor de uma política ambiental equilibrada que reconheça e proteja nossos bens biológicos e geológicos para garantir que as gerações presentes e futuras possam desfrutar deles sempre, garantindo seu uso abaixo da taxa de reposição.

Somos a favor de políticas de subsídio, de transparência e acesso igualitário à informação, bens sociais e ao financiamento.

Somos a favor de políticas integradas, universais e de descomercialização dos setores de habitação, transporte, educação e saúde.

Somos a favor de políticas de transferência de renda, de reparação aos grupos minoritários e étnicos historicamente prejudicados, de uma reforma política que inclua financiamento público e exposição igualitária a todos a os partidos e de uma reforma tributária que garanta a continuada distribuição de riqueza, permitindo a todos a satisfação das necessidades básicas e que ao mesmo tempo possibilite desenvolvimento pleno pessoal.

Somos a favor de uma reforma nas leis de comunicação que não só preservem o controle nacional dos meios de comunicação, mas que também proíbam o controle cruzado não só de políticos, mas do mesmo grupo empresarial sobre veículos em diferentes mídias, ou seja, que um detentor de concessão de rádio em nível nacional não poderia também ter controle de concessão de televisão aberta, jornal impresso, revistas e portais de internet não ligados aos veículos principais.

E, finalmente, somos a favor da pluralidade e fomento a conteúdo nacionais mínimos nas rádios e TVs, incluindo aí a presença de estações de rádio de TVs públicas com gestões independentes, não coincidentes com os mandatos dos presidentes e governadores, não-comerciais e financiadas diretamente pelos cidadãos e empresas do setor.

Mesmo não declarando-nos a favor que qualquer dos um dos cerca de 10 duplas de candidatos a presidente e vice-presidente ou a governador e vice-governador, nos posicionamos, deixando mais clara a nossa linha editorial. Acreditamos que isso é dever de qualquer veículo de comunicação, pois assim o leitor pode julgar melhor a cobertura e criticar com mais afinco os deslizes cometidos por todos os que atuam na comunicação, um bem cultural e multissignificante.

Mas esta não é uma tradição da imprensa brasileira que presume, sem pudor, que seu posicionamento político e econômico reflete a posição de seus leitores, de seu círculo de influência e, em alguns casos, a posição nacional. Por isso queríamos parabenizar os veículos como a Carta Capital, que já se posicionou antes do início da campanha eleitoral de 2010, e ao O Estado de S.Paulo, que costuma se posicionar claramente em todas as eleições.

Ao mesmo tempo gostaríamos de denunciar o silêncio dos outros veículos e a vontade de calar de alguns, incluindo aí o Ministério Público Eleitoral, que ordenou à TV Senado a não reprodução de discursos de nossos representantes em tribuna, alegando 'apologia' a candidatos.

No nosso entender, são dois lados da mesma moeda, pois ambos estes movimentos favorecem a obscurantização do debate eleitoral e político.

Não declarar seu favoritismo, ou pelo menos seu posicionamento ideológico, para um grande veículo é não respeitar a inteligência de seus leitores, ouvintes ou telespectadores, mostrando que existe uma agenda política que não pode ser revelada. É um silêncio que dá medo.

Do outro, calar agentes políticos, em uma casa política – como em breve vão se transformar todas as ruas do Brasil – é tentar cercear o debate, a participação política e o direito de expressão. Calando senadores em sua própria tribuna é o primeiro passo para calar cidadãos dentro de suas casas. É um silêncio arcaico que vem do medo do debate, calcado em uma legislação eleitoral complexa e um ministério público mal preparado. O silêncio do medo.

A Revista Sustentabilidade é sempre a favor do debate e da política como melhor meio de resolver conflitos numa sociedade plural.

FONTE:http://www.revistasustentabilidade.com.br/editorial/o-medo-do-silencio-e-o-silencio-do-medo

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